Segundo o sítio da Sociedade Homeopática de Portugal : “A Homeopatia é uma abordagem médica criada em 1796 pelo médico alemão Samuel Christian Frederich Hahnemann1 e define-se como a terapêutica que consiste em dar ao doente em pequenas doses, uma substância que, administrada a uma pessoa saudável, reproduza os sintomas observados”.
O segredo está nas “pequenas doses”. Em homeopatia trabalha-se com doses tão pequenas que é difícil imagina-las, por isso fiquemos com estes números para melhor percebermos do que se fala: Existem aproximadamente 1,260,000,000,000,000,000,000 (1,26 x 10^21) litros de água em todo o planeta Terra. Como cada litro tem 20.000 gotas, ficamos com o belo número de 2,46 x 10^25 gotas de água. Não esqueçam este valor, vão precisar dele mais à frente!
Os medicamentos homeopáticos são feitos através da diluição sucessiva de uma substancia em água (também pode ser álcool, mas é menos comum). Começamos com uma gota de, por exemplo, enxofre e misturamos em 99 gotas de água, para obter o que os homeopatas chamam de 1C. Agitamos o preparado, acto a que os homeopatas chamam sucussão e repetimos o processo. Ou seja, desse preparado 1C, tiramos uma gota que juntamos a 99 gotas de água. Ficamos com 2C, uma concentração de 1 gota de enxofre para 10.000 (104) gotas de água. Repetimos este processo até chegarmos a, por exemplo, 30C que é uma medida normal em medicamentos homeopáticos.
Nesta medida a gota de enxofre foi diluída em 10^60 gotas de águas (estamos a falar de 1 gota em 1.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000. 000.000.000.000.000.000.000.000.000.000 gotas), o equivalente a deixar cair uma gota em duas vezes a quantidade de água existente no planeta (podem consultar o segundo parágrafo para confirmar).
Alguns medicamentos, como é o caso do Oscillococcinum2, usado na “prevenção e tratamento de estados gripais” vendido nas farmácias e preparado a partir de fígado e coração de pato (pomposamente chamado Anas barbariae, hepatis et cordis extractum, e que podemos traduzir do Latim mais ou menos como: “extracto de coração e fígado de pato selvagem” e que não consta em lado nenhum que tenha algum efeito a combater a gripe) vêm em preparados de 200C o que equivale a uma “parte de pato” em 10^400 partes de água! Como os próprios homeopatas admitem, é impossível encontrar uma única molécula da substancia inicial, o resultado é basicamente…. ÁGUA.
Para ter a certeza que é efectivamente este preparado que é vendido nas farmácias, fui consultar o sítio do Infarmed onde consta efectivamente que cada grama de Oscillococcinum é composto por 0,01 ml de Anas barbariae, hepatis et cordis extractum 200K, sendo o resto sacarose e lactose. Repararam no 200K? É o tal preparado de 200C, ou seja água. Sabendo que uma gota de água tem 0,05 ml, e que cada grama de medicamento tem 0,01 ml do dito composto/extracto/água podemos concluir que o Oscillococcinum não passa de açúcar (que é o que a sacarose e a lactose são) misturado com água à medida de 1 gota de água por cada 5 gramas de açúcar.
Deixa-me perplexo saber que existem pessoas que acreditam que a sucussão, um simples abanar de um líquido, pode provocar um efeito mágico não detectável e que a ser provado alteraria radicalmente o que sabemos actualmente sobre Química . Mas para quem acha que efectivamente tem efeito, tenho uma boa noticia. Graças à constante circulação da água pelo planeta, se beber um copo de água da torneira estará a ingerir várias doses de todos os medicamentos homeopáticos já inventados! Está curado e protegido de tudo e não precisa de gastar mais dinheiro em medicamentos, mas curiosamente ainda adoece, estranho, não é? Claro que as más noticias, é que estará a ingerir a “memória” de tudo com que essa água já esteve em contacto, sim é isso mesmo, montes e montes de cócó (isto partindo do principio que os abanões que o autoclismo faz à agua equivalem à sucussão. Porque, e de acordo com a Sociedade Homeopática, sem a sucussão “o efeito é nulo”).
“Sim, sim. Efectivamente não faz sentido, mas a verdade é que funciona”, dizem os mais crentes. Para esses tenho duas palavras: “efeito placebo”3. Mas não precisamos de ficar só pelo efeito placebo para explicar as coisas que não deviam funcionar e “funcionam”, vou-vos contar a minha experiência: O ano passado tive uma gripe com febres elevadíssimas o que me leva a suspeitar que teria sido gripe A. Os procedimentos recomendados eram qualquer coisa do género “fique em casa e vigie os sintomas, e dirija-se ao médico se houver agravamento”. Como não houve agravamento fiquei em casa, não tomei absolutamente medicamento nenhum e fiz uma vida caseira normal (comi, dormi e vi muita mas mesmo muita televisão). Ao fim de alguns dias os sintomas tinham desaparecido. Qual é a conclusão que devo tirar? Que ver televisão cura a gripe? Claro que não, o que acontece é que as gripes como muitas doenças passam sozinhas. Infelizmente, e para mal das suas carteiras, as pessoas gostam de atribuir a cura ao que tomaram/fizeram/rezaram.
Sendo assim, a pergunta que se impõe, é: se não faz nada porque é que não é proibido? Suponho que a resposta seja: se não faz mal, deixa-se andar.
Segundo o Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de Agosto, para proceder ao registo simplificado de produtos homeopáticos, o produto deve “ser administrado por via oral ou externa”, “apresentar um grau de diluição que garanta a inocuidade do medicamento” e não apresentar “quaisquer indicações terapêuticas especiais”. Em lado nenhum está escrito que o medicamento deve fazer prova de produzir o efeito publicitado.Querem ganhar um trocos? Misturem água com açúcar e vendam-na como medicamento para a doença da moda (o que nesta altura seriam medicamentos para emagrecer ou anti-depressivos) porque pelos vistos não é preciso provar que funciona.
Tomar medicamentos que não fazem nada para curar gripes não é grave, só chateia o bolso, mas o mesmo não se pode dizer de doenças que têm mesmo de ser tratadas. Tentar curar doenças graves com água e açúcar pode matar e efectivamente já tem matado4. Alguns homeopatas vão ao cumulo de dizer que os seus medicamentos previnem a malária, curam o diabetes e até o cancro! Alegações graves e que por mim deviam ser severamente punidas! Ao deixarmos entrar os medicamentos produtos homeopáticos para a gripe estamos a abrir a porta a estes medicamentos produtos. A lei para a aprovação de medicamentos homeopáticos tem de ser igual à lei para aprovação de medicamentos “convencionais”: sem provas cientificas5, o medicamento não é aprovado!
ACTUALIZAÇÃO 02/04/2018
E ainda mais um bom artigo, em Português, sobre homeopatia: Homeopatia – A Rainha das Alternativas
ACTUALIZAÇÃO 24/11/2017
Os placebos são muito mal compreendidos. Vale a pena ler algumas luzes sobre o assunto (em Inglês).
ACTUALIZAÇÃO 11/06/2015
A COMCEPT publicou um excelente folheto que explica muito bem o que há para saber sobre a homeopatia.
ACTUALIZAÇÃO 04/07/2013
Podem ler mais sobre a história da homeopatia na COMCEPT
ACTUALIZAÇÃO 28/04/2011
Este artigo tem tido sido relativamente bem visitado, infelizmente ninguém poucos pontuam ou deixam comentário.
Se alguém se desse ao trabalho de o fazer agradecia.
Tenho realmente interesse em perceber que tipo de artigo vêm à procura, o que é que achavam da homeopatia, se mudaram de ideias, se acham que sou parvo …
1 Christian Friedrich Samuel Hahnemann (10 de Abrilde 1755 –2 de Julho de 1843) foi o fundador da homeopatiaem 1779. Propôs a homeopatia numa época em que a medicina ocidental consistia em efectuar sangrias, aplicar sanguessugas e pouco mais. Naquela época era bem mais seguro ser tratado com medicamentos homeopáticos (que não faziam nada) do que pela medicina convencional da altura cuja possibilidade de fazer pior ou de matar era bastante real.
2 Oscillococcinum: “medicamento” vendido a cerca de 12€ a caixa e fabricado pela multinacional Boiron, empresa que só fabrica medicamentos homeopáticos e que em 2009 teve receitas de mais de 500 milhões de euros (informação útil para quem acha que a homeopatia é atacada por colocar em causa os interesses das farmacêuticas)..
Interessante é também a descrição do “medicamento” : “Medicamento homeopático tradicionalmente utilizado no alívio de estados gripais e dos sintomas decorrentes tais como febre, dores de cabeça, arrepios, dores musculares e afins”. Só diz que é “tradicionalmente usado para…”, não diz que tem efeito. Se alguma vez alguém os quiser processar não pode. Eles nunca afirmam que o produto funciona, só afirmam que as pessoas o usam para esse fim.
3 Placebo : (do latim placere, significando “agradarei”) é como se denomina um fármaco ou procedimento inerte, e que apresenta efeitos terapêuticos devido aos efeitos fisiológicos da crença do paciente de que está a ser tratado. Fonte:Wikipedia
4 Austrália, 2009. Gloria Thomas, de nove meses morreu, após atroz sofrimento, de complicações provocadas por eczema que os medicamentos homeopáticos dados pelos pais não conseguiram curar. Os pais foram considerados culpados por homicídio e incorrem numa pena que pode chegar aos 25 anos de cadeia.
5 Sim, eu sei que as provas cientificas são falsificáveis e que os laboratórios farmacêuticos estão dispostos a quase tudo para ver os seus medicamentos aprovados. Mas um teste cientifico é algo que pode ser analisado, criticado, desmentido e repetido. Muito, mas muito melhor do que os homeopatas nos apresentam.[actualização 15/10/2012]Sobre a maneira como os laboratórios farmacêuticos nos enganam vale a pena ler o novinho em folha, Big Pharma do Ben Goldacre (o mesmo autor de Ciência da Treta)