“É a bola ou o correio da manhã?”
“Nã… é um jornal a sério”
“ah…ok”.
A resposta saiu-me espontânea, sem tempo para pensar saiu arrogante e inútil. Ainda disse “este tem desporto que chegue…” mas o meu interlocutor já tinha desligado. Agora com tempo uma resposta melhor ocorreu-me “nã.. é o público. O CM é só desgraças, traz pouco de interessante e a bola é só futebol, este pelo menos fala de todos os desportos” … bah! Muito longo também não serve. Devia ter enveredado por algo mais socrático “Só posso escolher uma dessas duas opções?”
Minutos antes tinha estado a observar a mesa do meu interlocutor. Eram 3 ou 4 homens, 2 mulheres, uma adolescente e dois crianços. Elas, não eram, mas pareciam ciganas à conta dos cabelos liso e compridos; os crianços brincavam com armas de plástico made in china, já não me lembro da última vez que tinha visto semelhantes artefactos.
Na mesa ao lado, mesmo à minha frente, um casal de leste com Português quase perfeito partilhava mesa com um casal Português de meia idade, no braço uma tatuagem de um coração onde se lia “amor de mulher”. O assunto eram os problemas conjugais do costume; Se bem percebi o cidadão de leste ainda tinha menos vontade de se dedicar à bricolage do que eu.
Um casal novo, mulato e com ar urbano estava na fila para pagar. Pareciam peixes fora de água naquele ambiente branco, rural e parado no tempo.
O pessoal do “restaurante” também não parecia encaixar bem. Atrás da caixa com voz calma, barba curta, óculos e pouco cabelo fez-me lembrar o Rui Tavares. Não que fossem parecidos! Se o afirmasse em tribunal perdia com toda a certeza, mas a mim, lembrou-me o Rui. Já o moço que me serviu, cabelo apanhado, barba aparada, brincos, tatuagens abundantes e sotaque brasileiro ficava mais enquadrado no Extramuralhas do que aqui e destoava tanto como eu com o meu jornal que ainda por cima não era nem a bola nem o correio da manhã.
Sinto-me em Marrocos, é o que a “falta de sofisticação” do “restaurante” me faz lembrar. Não! É A Áustria; a ruralidade faz-me lembrar aquela festa relacionada com os madeireiros onde caímos de paraquedas. Faltam os suspensórios, mas tem salsichas. Ou será que parece mais a Argentina com pessoas simplesmente a apreciar a vida? Na realidade, tem muito pouco a ver com cada um dos cenários, mas sabe bem vê-los assomar à memória por tão pouco.
As ligações que faço entro o que vejo e o que leio no jornal (que não é a bola nem o correio da manhã) são de relação duvidosa, há que não tirar demasiadas conclusões. Não o faço. Limito-me a ginasticar os pensamentos, fazer jogos mentais que exercitam o raciocínio: Misturo tudo num pot-pourri de ideias, bebo um copo para limpar e começo de novo.
Estava, portanto, nas minhas sete, ou talvez mais, quintas a ler uma entrevista a um moço que é assistente social e/ou investigador em bairros problemáticos em Lisboa, a fazer people-watching e a misturar com o filme do dia anterior, o “A Primeira Purga”, onde num futuro próximo num bairro de Nova York é feita uma experiência radical: durante 12 horas não há ilegalidades. Nesse filme vale tudo até arrancar olhos. Sob o pretexto de deixar as pessoas descarregarem as frustrações da vida através de actos de violência gratuita, o objetivo é diminuir a população pobre.
Isso faz-me lembrar o artigo de ontem sobre a definição de partidos de extremistas e partidos radicais. Olho à minha volta. Quantas destas pessoas estão piursas da vida e vão votar no Chega porque eles é que vão acabar com <preencher com coisas que não se gosta>?
O texto de um tal Casanova sobre o futebol nas Arábias lê-se muito bem e o de uma moça enfermeira sobre educação sexual, idem-idem aspas-aspas. O arroz está um bocado empapado, mas o vinho escorrega bem. Dou por mim a jurar que não volto a passar tanto tempo sem comprar um jornal.