Dia 1, sexta-feira
Já tínhamos passado há uns anos por zegama fora de época e, claro, não tem nada a ver.
Aqui respira-se trail em toda a vila. A vila é pequena (1500 habitantes) e não se passa mais nada.
Só há dois tipos de pessoas: locais, quase todos voluntários na prova e pessoas que vieram por causa da prova.
Hoje foi dia de quilómetro vertical ( 3km, 1000 m D+).
Quando chegámos a vila já estava fechada e tivemos de deixar o carro longe. Fomos a pé até ao centro. Na praça principal era a pre-partida da prova. Eram 2k. 200D+ até ao início. Também fomos espreitar a partida. Nada de muito interessante para ver mas o caminho no meio do bosque era bem giro.
Descemos e fomos buscar o carro e após algumas voltas à vila conseguimos estacionar perto do centro. Entrega de prémios, jantar na fan zone e siga para dormir.
Dia 2, sábado
Se tivesse aqui caído de para-quedas diria que a prova é hoje, tal é a quantidade de pessoas completamente equipadas só para treinar, aquecer ou simplesmente a tomar o pequeno-almoço.
Se calhar é obrigatório andar equipado… Ainda vou ser multado por não ter bastões ou andar de chinelos de dedo.
Dia 3, Domingo
Seis da manhã, hora de levantar. Os autocarros começam a subir para o “apeadeiro” às seis e meia. Depois é hora e meia montanha acima para chegar a Sancti Spiritu. Vou lá chegar pouco depois das oito e os primeiros não vão passar antes das 10:30 mas não me arrisco a apanhar o autocarro mais tarde, uma hora mais tarde vai implicar fila e sabe-se lá quanto tempo a conseguir apanhar o autocarro.
Entrei no primeiro autocarro e 15 minutos depois estávamos no apeadeiro do comboio para começar a caminhada pelos belos bosques na vertente da montanha. Percurso sem estória e cheguei lá acima para pela primeira vez perceber o cenário do ponto mais icónico da corrida. Uma coisa é ver as filmagens que normalmente só filmam os milhares de pessoas a gritar e os atletas a subir, mas estar aqui deu finalmente para perceber o que se passa: o túnel de San Adrian que permite a passagem para o outro lado da montanha está lá ao fundo por um caminho largo e plano a uns 500 metros da capela de Sancti Spiritu onde estou. Para a minha direita famosa subida que vi inúmeras vezes em video. Para lá da subida estará O Aizkorri, o pico que dá o nome à corrida juntamente com o nome da vila: Maratona de Montanha de Zegama-Aizkorri. À minha direita e mais abaixo uma pradaria verde com cavalos completa o cenário
Por enquanto ainda só há um par de centenas de pessoas; ainda faltam duas horas. Aproveito e vou até ao túnel fazer reconhecimento. Quando voltei a Sancti Spiritu a multidão começa-se a compor. Parecia que estavam a chegar comboios de Sintra uns atrás dos outros. No par de horas que passou, milhares de pessoas encheram a paisagem à minha frente enquanto outras tantas iam subindo e desaparecendo no horizonte em direcção ao Aizkorri. E não esquecer, para chegar ali o percurso mais curto tem 6km e 400 metros de desnível
Andei um bocado de um lado para o outro como uma criança numa loja de doces sem saber muito bem onde seria o melhor local? Subir até ao Aizkorri? Isso não, depois quero tentar ver os primeiros a chegar à meta e ainda são 6 kms a descer, vai demorar…acabei por ficar uns 100 metros acima da capela numa zona onde se juntava mais pessoal.
Entretanto a João, que tinha ficado em Zegama ia dando informação sobre os atletas que eu partilhava com os meus vizinhos mais próximos que passaram a considerar-me o melhor amigo que tinham ali no meio do monte.
E eis que chega o momento mágico, o momento que andava há anos para experimentar, o momento em que os atletas começam a passar.
O público não desiludiu e quando chegou o primeiro, ainda por cima Espanhol, a casa só não veio abaixo porque não havia casa. É uma loucura a afición dos espanhóis. Um espanhol a apoiar atletas aqui na montanha vale por 50 portugueses. Agora imaginem o que são milhares deles. Juntem-me a eles: gritei, não, berrei! Bati palmas, salteis e emocionei-me (wink wink). A cada atleta que passava uma explosão de energia, os desgraçados que abrandavam eram obrigados a acelerar ao som dos gritos e “ameaças” de porrada. E depois veio a primeira mulher, a Sara Alonzo, uma basca. Arre porra que estes gajos sabem gritar!
Passado alguns minutos de loucura, e após a passagem das primeiras 5 ou 10 mulheres começa um novo movimento. Centenas de pessoas começam a desmobilizar e a descer a montanha. O objectivo era obvio, o mesmo que o meu, ir ver a chegada dos primeiros.
E lá vamos nós, centenas e centenas a andar, a correr, a sprintar montanha abaixo. Eu lá fui tentando correr, mas os meus “novos” joelhos não estão para aí virados. Vou fazendo o que posso na descida a pique com as dores a impedir-me de dar passadas de jeito. Lá se vai a chegada dos primeiros…
Eis senão quando um carro pára a meu lado e pergunta se quero boleia. Devia ir a fazer uma bela figurinha, centena de pessoas e é a mim que pergunta se quero boleia… afinal há vantagens de estar completamente desgraçado do joelhos e incapaz de dar um passo a correr.
Graças à boleia cheguei a tempo de ver os primeiros. Juntei-me à João à espera dos momentos finais desta loucura. E os Espanhois voltaram a não desiludir!
Quando o marroquino Elhousine Elazzaoui chegou a casa que não existia voltou a vir abaixo, mas para mim o momento alto foi a chegada do Espanhol ex-atleta de orientação Andreus que festejou como se tivesse sido o primeiro e acertado no Euromilhões ao mesmo tempo. Vinha completamente desfeito, mas isso não o impediu de berrar e …cair para o lado (para a frente para ser mais exacto).
O sector feminino também foi momento de grande loucura com as Bascas Sara Alonso e Malen Osa a obterem o primeiro e terceiro lugar respectivamente.
Festa em cima de festa, é assim Zegama. Está cumprido um sonho com muitos anos. Agora faço parte dos privilegiados que podem falar sobre o que é assistir a esta prova e poder responder, com um ar de indiferença como se fosse a resposta mais normal do mundo, a quem perguntar como é estar lá:
Zegama? Zegama é Zegama…